Tashiding Intemporal


Mt. Kanchenjunga visto do Tashiding Gonpa

    Em Setembro do ano passado, Dzongsar Khyentse Rinpoche postou uma mensagem no site Siddarthas Intent alertando as pessoas que poderiam estar pensando em segui-lo em suas pererinações para Bodhgaya e Sikkim:

    “Aqui na Índia, palavras como “atraso”, “cancelamento”, “confirmação”, “limpeza”, “sem problema”, “sim” e “não” têm significados diferentes. E de fato, se você aprender a apreciar essas diferentes definições, irá descobrir que é isso que faz esta parte do mundo encantadora. Então, as pessoas que estiverem desejando vir do primeiro mundo esperando que seus banheiros funcionem, com chuveiro quente, aqueles que estão casados e pensando no direito a privacidade, que valorizam os direitos individuais e o espaço particular, podem muito bem apenas olhar as fotografias, preferencialmente as em preto e branco e especialmente as tiradas por Cartier Bresson e Raghu Raí.”

Tashiding, paisagem e casa de fazenda

    Participar do drupchen em Tashiding no Sikkim, foi parte prática, parte peregrinação e parte aventura. Cerca de 20 alunos butaneses, tibetanos e sikkineses de Khyentse Rinpoche participaram do drupchen de 10 dias e outros noventa vieram de outras partes mundo. O Tashiding Gonpa fica num lugar afastado, e mesmo indo de carro, se alguém faz isso através dos bloqueios de manifestantes na estrada, há ainda uma boa caminhada de uns 10 a 15 minutos subindo até um lance de escada que precede seus portões. As pessoas se esforçavam para encontrar um alojamento perto do topo, mas quanto mais alto se estava, mais rústicas se tornavam as condições, e as pessoas se entocaram nos mais estranhos lugares para estar mais perto da ação. A ação era um drupchen vermelho e quente, o Ridgin Songdrup de Lhatsun Namka Jigme, num templo muito frio.

    Como todos os encontros da sangha, houve reuniões exuberantes com velhos amigos e foram feitas muitas novas conexões. E claro, o clamor contido pela atenção do guru. Ele apareceu, mas sempre parece tão fora de alcance, emergindo da névoa, desaparecendo , dando alguns momentos de atenção de seu precioso tempo para tantas pessoas quanto possível, antes de seguir com sua graça e sua enigmática. E como os dias avançavam, assim como todos foram ficando sujos e exaustos, ele apenas parecia se tornar mais luminoso.

    Choveu durante vários dias e então chegou o granizo,  de tal forma que um morador, residente há 17 anos, nunca tinha visto, desabou sobre o telhado do templo em um dia ensolarado e frio. A maioria dos dias estava frio, embora as vezes quente. As noites eram frias e no céu uma lua encerada ia de nova a cheia. Perguntamos se existia alguma razão para o drupchen acontecer nessas datas em particular. Será que isso tem a ver com a lua? “ Às vezes, nós verificamos a astrologia para datas, mas desta vez apenas verificamos a agenda do Rinpoche”, disse Khenpo Sonam Tashi. Os grupos friorentos, velhos amigos, andarilhos, bobos da corte e a realeza, estavam envolvidos em todos os tipos de técnicas de sobrevivência, compartilhando suplementos, contando histórias, armando romances, batendo cabeças e passando noites divertidas bebendo “tongba”, a poção do Sikkim, no estacionamento abaixo.

    “Não importa onde vamos,  são as pessoas que encontramos que criam o ambiente e as características de um lugar e que injetam nele uma energia única. Um café se torna “cool” ou um “mergulho” dependendo do tipo de pessoas que ficam por lá, uma festa rave com três centenas de sexagenários e dois adolescentes é improvável  que envolva muito delírio. Inútil será dizer que para pessoas como nós, cujas mentes e percepções não são muito flexíveis, um local sagrado se torna poderoso pela devoção e veneração, não por tapetes de perede a parede.”

Pintura Fresca em pedra antiga – Tashiding Gonpa

    A verdadeira poção da semana, porém, foi a amrita e o mendrup que foi produzido com a ajuda dos monges de Pemayangse ao longo de dez dias. Os preparativos já estavam em curso nos meses que antecederam ao drupchen e foram supervisonados por Khenpo Sonam Tashi. As substancias foram encomendadas e obtidas a partir de um perito em Kalimpong , outras vieram do esconderijo secreto do Rinpoche. “Pílulas Mãe” são necessárias, assim como a farinha é necessária para se fazer o pão. Estas pílulas contêm partes de pílulas, que contêm parte de pílulas que vão pelo caminho de volta até a época de Jamyang Khyentse Wangpo e assim também para o leite do leão das neves, remédios herbais, as oito substancias e assim por diante. Durante o drupchen de dez dias, um dia é gasto para preparar estas substancias, em seguida três dias são gastos misturando e secando as substancias, então no quinto dia, isto é misturado as pílulas mães e as substancias liquidas. Esta mistura é colocada em um grande vaso e a pratica principal começa. No nono dia o vaso é aberto e o mendrup é medido. Todos ficaram muito contentes pois haviam sinais claros de que as substancias tinham aumentado de tamanho, o que é o melhor resultado. Khenpo Sonam Tashi disse que isso significa que o mendrup “acordou”, e que o pior cenário é quando tudo apadrece.

Dzongsar Khyentse Rinpoche e Orgyen Tobgyal Rinpoche fazendo oferendas. foto: Sarah Mist
 

    Os drupchens são mágicos, não apenas por causa da recitação dos mantras que deve continuar de forma ininterrupta durante a noite. Nem todos se inscreveram para todos os turnos da noite, embora alguns tenham se inscrito para quase todos eles. Tshewang Dendup, o “herói” de Mágicos e Viajantes , se tornou o herói da noite, certificando-se de que haviam garrafas térmicas com chá e alguns biscoitos para manter as pessoas acordadas. As vezes apenas duas pessoas apareciam e a pressão pelo sucesso do drupchen jazia sobre seus ombros, o que era suficiente para mantê-los atentos e recitando! Os mantras foram mudando um pouco com o passar dos dias para coincidir com a atividade de produção da amrita.

A Stupa que libera através da visão, Lhatsun Namkha Jigme- foto: Sangpo Shresthra


    Foi nos dito claramente para não reclamar, mas no quinto dia, Tashi Colman estava fazendo seus turnos na sala de meditação alertando as pessoas sobre o exato número de minutos e segundos que faltavam para o drupchen acabar (embora houvesse rumores de que ele poderia ter sido configurado para isso).

Thangthong Gyalpo Tulku e Dzongsar Khyentse Rinpoche em Tashiding. foto: Gerard da Holanda

    Rinpoche sentado no trono ladeado por Thangthong Tulku, a reincarnação do famoso construtor de pontes Thangthong Gyalpo. Jamyang Gyeltshen, que muitos alunos conhecem do centro de retiros Sea to Sky no Canadá, assistia aos dois. Jamyang estava em boa forma, servindo ao Rinpoche todo tipo de loucas misturas, e aparentemente, sempre elaborando mudanças de roupas entre os serviços. Você nunca sabia o que ele iria apresentar na hora do chá, um café expresso perfeitamente tirado em robes Tibetanos, bananas flambadas em vestido tradicional do Sikkim, paan (um snack indiano) em agasalhos de treino, todas variedades de pastas de pimentas. Rinpoche parecia se divertir.

    E o Rinpoche estava mais que apenas se divertindo com os ocidentais que vieram para o drupchen. Ele fez questão de elogiar o esforço que eles fizeram para fazer do drupchen um sucesso. Ele chegou até a dizer que eles “salvaram” o drupchen. Isso foi uma surpresa para alguns monges que  estavam desacostumados com estrangeiros participando de tais rituais. “ No final, eles aprenderam muito”, disse Khenpo Sonam Tashi sobre os monges, “ e eles estavam muito felizes”.

Khenpo Sonam Tashi, Dzongsar Khyentse Rinpoche, Orgyen Tobgyal Rinpoche e Thangthong Tulku 
no último dia em Tashiding

    Rinpoche lembrou que a primeira iniciação que ele recebeu após sua entronização foi de Dilgo Khyentse Rinpoche, a Lama Gongdu, e aconteceu ali mesmo em Tashiding, na sala que agora é usada para armazenamento a frio. Foi também ali que Dzongsar Khyentse Chokyi Lodro foi cremado em 1959. Muitos dos alunos próximos de Jamyang Khyentse Chokyi Lodro eram importantes coordenadores do drupchen. Se alguém não sabia quem eram esses homens, eles podiam se parecer com outros velhos excêntricos com elegantes garrafas térmicas de chá, conferindo se tudo estava correndo bem.  “Chá com manteiga ou doce?” nós perguntávamos a eles. E eles apontavam  e serviam com um sorriso. Mas esses eram os mesmos homens, o carpinteiro e o pastor, que viajaram de Derge com Chokyi Lodro, testemunhando milagres e conhecimento profundo ao longo do caminho.

Stupa de Choki Lodro em Tashiding Gompa

    Após o drupchen, um pequeno grupo de alunos seguiu o Rinpoche até Ghezing (Geyshing), lá Rinpoche fez um puja do fogo e cuidou de duas fogueiras para queimar uma grande quantidade de seus antigos pertences, ele queria limpar o caminho para o novo abade do Gonpa ali. Ele salvou algumas coisas, seu disco dos Bee Gees, um jogo de chá de sua adolescência e claro, suas pechas, mas malas cheias de roupas e livros foram consumidos pelas chamas, enquanto seus alunos cantavam e dançavam ao redor do fogo.


Tashiding visto de Ghezing

    Pelas duas semanas seguintes ao drupchen, os noves monges que vieram do Instituto Chokyi Gyatsho (do Rinpoche em Dewathang, no Butão), permaneceram em Tashiding para enrolar o mendrup em comprimidos, que serão guardados para ocasiões especiais. Ver como funciona a produção, deu a muitos dos que participaram do drupchen uma nova apreciação dos comprimidos preciosos. Muitos participantes já estão de volta a suas casas com seus chuveiros quentes e suas rotinas, alguns continuam no caminho de peregrinação. Mas todos levaram um pouco da memória brilhante de Tashiding com eles, que pode ser acesa ou esquecida, agarrada, usada ou lembrada de forma incorreta. Isso realmente não importa. Como disse o Rinpoche em “O Que Fazer nos Lugares Sagrados da Índia”:

    “Qual é exatamente a motivação correta para se ir numa peregrinação? Na melhor das hipóteses, é desenvolver a sabedoria, amor, compaixão, devoção e um genuíno senso de renúncia (mente de renúncia). Então, como você estabeleceu, você deve fazer o desejo de que sua jornada, de uma forma ou de outra, continuamente lembre-o de todas as grandes nobres qualidades iluminadas do Buda, e que, como resultado, você acumulará mérito e purificará a contaminação (degradação).”

Noa Jones – Fevereiro de 2011

(reproduzido de Gentle Voice, com a autorização de Noa Jones e Pamela.)

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