Mensagem de Dzongsar Khyentse Rinpoche

Thinley Norbu Rinpoche e Dzongsar Khyentse Rinpoche


31 de dezembro de 2011

Dungsey Thinley Norbu Rinpoche, o pai de Dzongsar Khyentse Rinpoche, faleceu no dia 27 de dezembro de 2011.  Transcrevemos abaixo a carta que Khyentse Rinpoche escreveu para a sanga, com recomendações de como ver a passagem de um grande iogue.  Thinley Norbu Rinpoche nasceu no Tibete, como o filho mais velho de Dudjom Rinpoche.  Ele foi um grande poeta e autor de importantes textos como A Small Golden Key, Magic Dance, White Sail e A Cascading Waterfall of Nectar.

Agradeço a todos por seus sentimentos e melhores votos, neste momento.
Vivemos em um mundo que nós mesmos criamos, um mundo montado a partir das nossas percepções pessoais, no qual acreditamos por inteiro:  todos os anos, todos os dias, todas as horas, todos os momentos da nossa vida.
Embora esta vida na realidade seja fugaz, durando não mais do que o saltar de uma fagulha, ela é vivenciada por alguns como interminável, arrastando-se por eras e eras.  Já para outros, a experiência deste mundo dura menos que um piscar de olhos, embora na realidade este mundo exista por um tempo infinito.
Para alguns, este mundo não é maior do que o buraco de um caruncho; no entanto, eles se sentem insignificantes e isolados, perdidos em um vazio vasto e sem fim.  Outros percebem o mundo como pequeno − tão pequeno quanto um universo inteiro − e se sentem desconfortavelmente confinados e claustrofóbicos.
A maioria de nós − e aqui eu me incluo − fomos condicionados a viver e morrer em um mundo criado por nossas próprias percepções; e mais, continuamos a criar condições que asseguram que repetiremos o mesmo jogo, vez após vez.
Dentro uma infinidade de possíveis percepções, Thinley Norbu Rinpoche é visto por alguns como uma pessoa comum, por outros como um pai, um professor, um ser perfeito − diferentes percepções determinadas pelo mérito (ou falta de mérito) de quem percebe.
Para pessoas como eu, cuja limitação me leva a vê-lo apenas como meu pai, as condolências manifestadas por vocês são aceitas como apoio emocional.
Para aqueles dotados de “qualidades superiores” − ou que aspiram desenvolver essas qualidades − e que conseguem enxergar Thinley Norbu como um ser perfeito, esta é mais uma oportunidade para pôr de lado percepção não-pura e gerar percepção pura, para que se possa ao final passar adiante de toda percepção.
A “consciência” ou “estado desperto” é a essência dos ensinamentos de Buda − desde a consciência do ar fresco que entra e sai por nossas narinas, até a profunda consciência da natural perfeição.  E em sua compaixão e coragem incomensuráveis, o único propósito e atividade de todos os budas é tocar o sino que nos alerta e nos conduz para essa consciência desperta.
Para os que têm mérito suficiente, a passagem deste grande ser pode ser interpretada como o soar desse sino de alerta, e uma recordação oportuna de todos os ensinamentos − desde a simples verdade da impermanência até a realização da compaixão ilimitada.  Sob esse ângulo, na mesma medida em que a nossa mente obscurecida apreciou e valorizou o aparecimento de Thinley Norbu neste mundo, cabe a ela, agora, apreciar e valorizar o desaparecimento dele.
Ainda que seja tocante saber daqueles que estão a oferecer preces, recitações, lamparinas e tantas outras atividades benéficas nesta ocasião, permitam-me lembrar, a mim mesmo e a todos os interessados, que nenhuma dessas práticas que estamos fazendo são para ele; antes, são para nós mesmos.
Por mais cintilante que seja a lua ao aparecer no céu, seu reflexo não será visto, se as águas do lago estiverem turvas.  Igualmente, é por meio da purificação dos obscurecimentos e da acumulação de méritos em nossa própria mente que conseguiremos, com o tempo, perceber o reflexo de Buda − intacto, completo, nunca afastado.
Então, melhor do que nos congratularmos com o pensamento de que estamos acumulando todas estas práticas nesta ocasião especial, é termos presente que nós já as deveríamos estar fazendo − e que deveremos continuar a fazê-las por toda esta vida, e também ao longo de todas as nossas vidas futuras.  Se imaginarmos, porém, que nossa prática é algo como proporcionar “ritos de passagem” a este grande ser, definitivamente esse não é o melhor caminho a seguir.
Foi-me perguntado que práticas específicas deveriam ser feitas.  Repito, uma vez mais, que nossa prática é a vigilância, ou seja, o “estado desperto”.  Somos seres ignorantes, o que quer dizer que precisamos de constantes lembretes da importância de nos esforçarmos para pousar nessa consciência desperta.  Portanto, todas as atividades do nosso guru − desde quando ele boceja ou tosse, até quando ele aparece ou desaparece − são modos que ele tem nos lembrar de voltarmos para o estado desperto, vez após vez.
E, se estivermos conscientes e despertos, não há prática que seja melhor, nem prática que seja pior.
Escrito e dedicado à iluminação de todos os seres sencientes, na presença do rupakaya de Thinley Norbu.
Nova York.

Publicado originalmente em inglês no site da Khyentse Foundation. Traduzido do inglês para o português por Manoel Vidal.

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