Bandeiras de Oração

"Qual o significado destas bandeiras coloridas? É alguma festa?" Quantas vezes não ouviram os praticantes dos centros e mosteiros budistas no Ocidente estas perguntas. A questão é legítima, uma vez que semelhante costume nunca existiu nos nossos países e, também porque, não há dúvida, centenas de bandeiras coloridas ondulando ao vento sempre dão um certo toque festivo...

Lung-ta, ou cavalo do vento

    O costume vem do Tibete e remonta ao século XI, época em que foi visitado por Atisha, o grande mestre indiano. Atisha ensinou aos seus discípulos como imprimir orações e mantras sobre pedaços de tecido, a partir de blocos de madeira gravados. Estas bandeiras, fixadas a um mastro ou a um bambu, ou cosidas a cordas esticadas entre dois pontos, ondulavam livremente ao vento. Esta tradição acabou por ser muito difundida no seio do Budismo tibetano.
    À volta dos mosteiros, nos sítios sagrados, presas aos ramos da árvore de Bodhi, em redor do grande stupa em Boudhanath e mesmo junto a habitações, vêmo-las por toda a parte. O som do vento a bater-lhes acompanha a cadência das orações... Esta prática não é uma superstição; as bandeiras não são talismãs. O Budismo, que Sua Santidade o Dalai Lama diz ser uma "ciência do espírito" (nota: espírito = mente), debruça-se há muito sobre a natureza e o funcionamento dos fenómenos. Com base na lei do karma, os fenómenos manifestam-se de um modo totalmente interdependente. Nenhuma das nossas acções é estéril. Sejam elas de corpo, palavra ou espírito, todas produzem efeitos conformes à natureza da motivação que as suscita. Seguindo esta lógica elementar, imprimir textos sagrados com uma intenção pura é uma fonte de energia positiva, que produz naturalmente efeitos benéficos.

Bandeiras de oração na Stupa de Boudhanath

    Além disso, o vento que entra em contato com as bandeiras sobre as quais estão impressos caracteres e símbolos sagrados, entra também em contato com tudo o resto. É o ar que respiramos, o oxigenio que se dissolve no nosso sangue, o dióxido de carbono que os vegetais utilizam... Tal como um pequeno aparelho pode fabricar iões negativos e fazer com que a atmosfera de um dado espaço seja mais sã, o vento, a partir de uma técnica simplicíssima e sem perigo para o meio ambiente, em contato com os símbolos sagrados, espalha por toda a parte os nossos votos para o bem temporal e para a felicidade última de todos os seres, criando assim um vasto campo positivo.
    A um nível mais profundo, todos os métodos utilizados pelo Budismo são meios destinados a relembrar-nos a natureza última do espírito.
    Podemos compara-nos a um amnésico a quem tentam ajudar a reencontrar a memória, utilizando diversos meios - histórias, fotografias, reconstituição de algumas situações ou ambientes, etc. Será necessário o desenrolar de todo um processo até que o doente recupere a memória. Também a via espiritual nos permite dissolver gradualmente todos os véus que ocultam a nossa memória profunda, para depois, subitamente, reencontrarmos a nossa natureza última, eternamente jovem e inalterada, por mais que dela nos tenhamos afastado.

bandeiras de oração no topo do Monte Everest em 2009

    Deste modo, as bandeiras de oração são para os seres como uma medicina suave, um apelo silencioso à maravilha que temos dentro de nós desde sempre e para sempre.
     
                                                                                   
Texto de Emília Marques Rosa
Publicado originalmente na revista Adarsha n# 05, outono de 1997.
Reproduzido com autorização.

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