A vida de Jamyang Khyentse Chokyi Lodro – Parte 2
A vida de
Jamyang Khyentse Chokyi Lodro – Parte 2
Narrado por
Orgyen Tobgyal Rinpoche
Quando chegou a Lhasa ele
conheceu o décimo terceiro Dalai Lama, Thubten Gyatso e o regente, e visitou os
três lugares sagrados de peregrinação; Samye, Jokhang e Tramdruk, tudo enquanto
fazia vastas oferendas. Ele tinha vinte e quatro quando chegou ao Tibete
Central, vinte e cinco quando tomou os votos de um monge completamente
ordenado, e assim deveria ter uns vinte e seis quando voltou ao Tibete
Oriental.
No seu caminho de regresso,
passou por Chamdo, onde o grandíssimo e realizado mestre, o prévio Chamdo
Pakpa, convidou-o a Jampa Ling de modo a dar uma séria de transmissões. Mesmo
sendo Chamdo Pakpa uma lama de elevadíssimo grau da escola Gelugpa, ele foi
para receber as transmissões. No seu discurso, feito perante uma vasta assembléia
de pessoas da região, Chamdo Pakpa declarou, “Neste momento não existe em todo
o Tibete um lama tão grande como Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö.” Alguns dos
geshes mais teimosamente conservadores estava completamente comovidos em
ouvir tal afirmação feita pelo grande Chamdo Pakpa, e choraram em devoção. Os
representantes do governo local também pediram a Jamyang Khyentse para efetuar
certas práticas de forma a remover obstáculos na região.
Ele também passou pelos dois
acentos das encarnações de Chokgyur Dechen Lingpa, os monastérios de Neten e
Kela. Do segundo Neten Chokling, Ngedön Drubpé Dorje, um estudante de Jamyang
Khyentse Wangpo, ele recebeu muitas transmissões, incluindo o Dzogchen Dé Sum e o Tukdrup Barché Kunsel. Enquanto esteve lá, Neten Ngedrön Drubpé
Dorje ofereceu a Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö o seu próprio assistente, de
nome Tsering Wangyal, que ainda está vivo aos seus 92 anos, mas tinha somente
treze anos naquela época. O rapaz não podia ir com Jamyang Khyentse de imediato,
pois sua mãe não queria que ele fosse embora, mas ele foi para Derge uns anos
mais tarde e serviu Jamyang Khyentse desde essa época, de modo que é agora uma
pessoa muito conhecida e respeitada no Kham.
Depois ele foi para Kela, o
acento da outra encarnação de Chokgyur Lingpa, Kela Chokling Könchok Gyurme
Tenpé Gyaltsen, do qual ele recebeu o Ridzin
Samdrup de Lhatsün Namkha Jikmé, Tukdrup
Sampa Lhundrup e outras transmissões.
No regresso a Derge,
chegou-lhe a noticia que Kathok Situ Rinpoche tinha entrado em parinirvana.
Quando ouviu isto, Jamyang Khyentse rezou várias vezes e uniu sua mente com a
do seu mestre. Como resultado, Situ Rinpoche apareceu-lhe e durante vários dias
deu-lhe todas as suas instruções finais e conselhos que estavam por acabar.
Durante os anos seguintes, ele teve muitas visões de dia e sonhos de noite, nos
quais Situ Rinpoche lhe aparecia e dava-lhe conselhos. Isto está claramente
escrito na autobiografia de Jamyang Khyentse. Ele diz que podem-se comunicar
sempre que desejado, que era sem duvida um sinal de que as suas duas mentes de
sabedoria estavam inseparavelmente unidas.
Quando regressou a
Dzongsar, ele enviou uma mensagem notificando Shechen Gyaltsan Rinpoche do seu
regresso seguro e informando-o que a viagem ao Tibete Central tinha sido um
sucesso. Como resposta, Gyaltsab Rinpoche enviou uma carta a dizer, “Kathok
Situ Rinpoche faleceu e eu sou muito velho e estou também próximo da morte. Os
ensinamentos Nyingma estão em perigo de desvanecerem, como uma lamparina cujo óleo
foi completamente usado. Tens agora a responsabilidade de olhar por estes
ensinamentos com todo a tua incomparável compaixão.” De fato, nesse ano de 1926
não menos de sete grande mestres faleceram, incluindo o Karmapa Khakyab Dorje,
Kathok Situ Rinpoche, Shechen Gyatsab Rinpoche e Dodrupchen Jikmé Tenpé Nyima.
Quando Shechen Gyaltsab Rinpoche
faleceu, Jamyang Khyentse foi convidado a Shechen para realizar os rituais de gong dzok (o cumprimento de intenções) e
erigir uma Stupa relicário. Ele passou a sua primeira noite da sua viagem num
lugar chamado Pawok, onde ele teve uma clara visão do corpo de sabedoria de
Gyaltsab Rinpoche, que lhe deu a transmissão inteira e instruções do Tesouro de Preciosos Termas, e deu-lhe
conselhos. Na mesma visão, ele viu muito claramente todos os detalhes onde a
reencarnação haveria de nascer, incluindo detalhes da casa, com as suas
bandeiras e por aí fora. Quando chegou a Shechen, ele realizou com sucesso
todos os rituais.
Algum tempo antes da sua
viagem ao Tibete Central, quando havia um pequeno conflito em Dzongsar entre os
apoiadores das diferentes encarnações de Khyentse, Kathok Situ tinha chegado e
disse a Jamyang Khyentse; “Talvez não devas ficar. Acho que é melhor se regressares
a Kathok.” Tulku Lodrö, como ele era conhecido na época, considerou isto por
algum tempo ante de dizer, “Desde o inicio da minha vida até agora, nunca fiz
nada contra os teus desejos, mas porque este assunto é tão importante eu
realmente pensei sobre isto. Quando cheguei a Dzongsar, foi você que me
instalou aqui. Eu já estou aqui há algum tempo, mas não seria correto abandonar
a minha posição aqui devido a uma coisa tão pequena. Eu devo ficar e fazer tudo
o que puder para servir o monastério. Enquanto estás no monastério Kathok, nada
há que eu possa fazer lá que não possas fazer ainda melhor, mas no caso de por
alguma razão já não poderes lá ficar, eu prometo regressar por quinze anos
completos e fazer tudo o que puder para servir o monastério.” Kathok Situ
Rinpoche ficou completamente admirado com isto. Por momentos ficou sem
palavras, depois com lágrimas nos olhos disse, “Sou mais velho que você, e é
suposto saber mais que você. Mas com o que acabaste de dizer provaste que és o
mais sábio. Não poderias ter tomado uma melhor decisão.”
Agora Jamyang Khyentse
tinha regressado a Kathok, onde ele completou a construção do Templo Mahamuni,
com a sua enorme estátua de Buda, que havia sido iniciado pelo próprio Kathok
Situ Rinpoche, assim como um modelo de três andares da terra pura de
Zangdopalri de Guru Rinpoche, feito em cobre folheado por ouro, e supervisionou
a produção de quase duas mil thangkas. Ele convidou Khenpo Ngakchung para a
shedra. Em resumo, durante quinze anos ele trabalhou para servir o monastério
Kathok e cumprir a visão do seu mestre. Depois do falecimento de Kathok Situ, a
observância da disciplina monástica em Kathok tinha entrado em declínio e era
difícil supervisionar todas as casas dentro do monastério, então Jamyang
Khyentse nomeou Khenpo Kunpal, o discípulo de Mipham Rinpoche, em conjunto com
Khenpo Jorden e Khenpo Nüden para assumir a responsabilidade e eles
estabeleceram uma disciplina bastante estrita.
O monastério Kathok era um
grande acento com uma história com quase mil anos e uma riqueza de objetos sagrados
e representações do corpo, fala e mente iluminados. Assim Jamyang Khyentse
sentiu que podiam compilar um inventário de todos os tesouros do monastério.
Haviam tantos tesouros que para registrar os de uma única sala, foram precisos
três meses.
Nesta altura ele ficava
somente uns poucos meses de cada ano em Dzongsar, e a maior parte do tempo em
Kathok. Lá ele era muito estrito e punia severamente as pessoas por quebrarem
as regras. Em Bir existe um velho homem chamado Drupa Rikgyal, que era uma
monge em Kathok nesse tempo. Ele diz que mesmo todos sabendo que Jamyang
Khyentse era um dos maiores bodhisattvas em todo o mundo, em Kathok ele era tão
irado que era temido com o Yama, o senhor da morte. Ele disse-me que sempre que
ouvia a noticia que Tulku Lodrö estava a chegar de Horkhok, todo o vale tremia
de medo.
Dzongsar
Monastery, Tibet, 1953. Sentado na frente: Sakya Gongma
Dagchen Rinpoche, atrás da esquerda para direita: Lama Kang Tsao
Rinpoche, Gona Tulku Rinpoche, Jamyang Khyentse Chokyi Lodro Rinpoche, Dilgo
Khyentse Rinpoche
Quando a
reincarnação de Kathok Situ Rinpoche foi reconhecida pelo Quinto Dzogchen
Rinpoche, Thubten Chökyi Dorje, em acordo com as visões de Jamyang Khyentse,
Khyentse Rinpoche e o Khenpo Ngakchung realizaram cerimônias elaboradas para a
sua entronização. Nesta época, devido ao grande cuidado que Khyentse Rinpoche
tinha pelo monastério e também porque Khenpo Ngakchung estava a ensinar e era
encarregado dos estudos, eles produziram um incrível número de acadêmicos. Na véspera
da entronização, um khenpo de nome Jamyang Lodrö, tinha sido avisado por
Kheyntse Rinpoche e Khenpo Ngakchung que seria necessário ele falar no dia
seguinte, durante a cerimônia, no tópico A
Perfeição da Sabedoria. A perspectiva de falar na presença destes dois
grandes mestres era suficiente para assustá-lo completamente. Ele esteve
acordado toda a noite a pensar no que iria dizer, mas não vinha nenhuma idéia à
sua mente. Quando o Sol nasceu, ele sentiu uma enorme vontade de fugir, mas
decidiu que isso não era uma opção. Quando entrou no templo, ele viu os
detentores do trono de Kathok, tais como Drime Shingkyong Gönpo e a encarnação
de Getse Mahapandita, assim como Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö e Khenpo
Ngakchung, e a encarnação de Situ Rinpoche sentado no seu trono. Jamyang
Khyentse disse-lhe, “És muito versado nas escrituras, mas não tens dinheiro,
então não podes comprar vestes dispendiosas. Hoje, de modo a criar a correta
conexão auspiciosa, vou emprestar-te as minhas.” Jamyang Lodrö tomou as vestes
e sentou-se, mas deixou de estar ciente de como ou onde se sentava. Depois,
quando o festim foi oferecido, com todo o tipo de maravilhosas tigelas cheias
de tremendas delicias, chegou a hora dele falar. A sua mente estava
completamente em branco, mas recitou várias orações ao lama, e colocou as
vestes que lhe tinham sido dadas. Quando ele se levantou para falar, ele
descobriu que todos os seus medos tinham desaparecido. Ele fez três prostrações
e, fechando os olhos, ele começou a sua palestra com uma homenagem. À medida
que falava, não tinha noção do tempo, mas concentrou-se inteiramente no que
estava a dizer. Tinham-lhe dito para falar de forma bem elaborada, então ele
deu o ensinamento mais elaborado que conseguia. Eventualmente, um dos
assistentes de Jamyang Khyentse de nome Jamdra foi até ele e disse-lhe que era
tempo de parar. Eles ofereceram-lhe um lenço muito longo. Quanto ele abriu os
olhos e olhou para cima viu que já era noite e que as estrelas estavam a
brilhar. Ele tinha começado de manhã, logo após o nascer do Sol.
Quando Jamyang Khyentse, a
encarnação de Situ Rinpoche e Khenpo Ngakchung se retiraram para os seus
aposentos, todos concordaram que o ensinamento sobre o prajñaparamita tinha
sido extraordinário. Eles disseram que era um claro sinal que todo o trabalho
que fizeram pelo monastério Kathok tinha sido um sucesso. Até à sua destruição
pelo exercito vermelho Chinês, Jamyang Khyentse continuou a supervisionar o
funcionamento do monastério Kathok.
O mosteiro de Ngor era
detentor das linhagens de Lamdré Tsokshé,
mas Jamyang Khyentse queria mesmo assim receber as linhagens menos comuns de Lamdré Lopshé que vinham de Jamyang
Khyentse Wangpo. O rei entre todos os detentores desta particular linhagem de
transmissão oral era Gatön Ngawang Lekpa. Assim, embora Jamyang Khyentse o
tenha conhecido em Gakhok, ele foi convidado especialmente para ir a Dzongsar,
onde transmitiu os ensinamentos do Lamdré
Lopshé dotado das “quatro
autenticidades”.
No passado, Gatön Ngawang
Lekpa tinha ido ao monastério Dzongsar, com intenção de receber de Jamyang
Khyentse Wangpo esta transmissão do Lamdré
Lopshé, mas foi forçado a esperar vários anos. Durante esse tempo ele foi
ignorado e até mesmo considerado inapto a entrar a assembléia. Os monges de
Dzongsar e as pessoas do vale local apelidaram-o de Gambema, que significa algo
como “vagabundo”, porque parecia maltrapilho e as suas roupas estavam todas
rasgadas e esfarrapadas. Quando foi convidado a Dzongsar de modo a transmitir
os ensinamentos a Jamyang Khyentse as pessoas disseram, “Nestes dias parece que
até uma pessoa como Gambema é apelidado de 'Jamgön Rinpoche' e tratado como um
grande dignitário.”
Enquanto Ngawang Lekpa
estave pela primeira vez em Dzongsar, Jamgön Kontrul Lodrö Tayé tinha visitado
Jamyang Khyentse Wangpo. Todos os monges e lamas alinharam-se em procissão para
receber Jamgön Kontrul, que nessa altura, era muito velho e tinha que caminhar
muito lentamente com a ajuda de dois assistentes. Quando chegou ao lugar onde
Gambema se encontrava, no meio da multidão, ele repousou um pouco, e enquanto
ali estava, ele olhou para o céu e depois tossiu alguma fleuma e cuspiu-a para
o chão. Gambema saltou imediatamente e pegou na fleuma e comeu-a. Naquele
momento ele experimentou uma realização do estado natural tão vasto como o espaço.
Isto significava que, de uma certa forma, ele era um discípulo de Jamyang
Khyentse Wangpo e Jamgön Kongtrul. Mais tarde, tornou-se o maior mestre vivo na
tradição Sakya, que, devido ao seu imenso respeito pelos ensinamentos Sakya,
serviu grandemente a tradição.
Lama Jamyang Gyaltsen,
da região de Gakhok, que era um mestre incrivelmente erudito e realizado e um
monge muito estrito, era também um estudante de Ngawang Lekpa. Numa ocasião,
Ngawang Lekpa Rinpoche entrou nos quartos de todos os seus estudantes, e abriu
as suas caixas torma para ver o que estavam a praticar. Quando foi ao quarto de
Jamyang Gyaltsen encontrou os tormas para o lama, yidam e khandro do Longchen
Nyingtik. Quando viu isto, pensou para consigo mesmo: “Jamyang Gyaltsen é
incrivelmente erudito. Eu pensava que ele manteria a pura tradição Sakya, e
faria uma grande contribuição para o seu desenvolvimento no futuro. Agora até ele
está a praticar o Nyingtik! Parece que maior parte dos eruditos e realizados
detentores da linhagem Sakya estão a tornar-se seguidores da escola Nyingma. A
tradição Nyingma está a ficar tão bem conhecida como o Sol e a Lua, enquanto a
escola Sakya está certamente no declínio.” Ele estava tão preocupado com esta
situação, que ele mal conseguia dormir.
Mais tarde o Lama Jamyang
Gyaltsen foi a Dzongsar e encontrou-se com Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö e Pönlop
Loter Wangpo, e perguntou-lhes o que podia fazer para aprofundar a tradição
Sakya. Loter Wangpo e Jamyang Khyentse disseram, “Se realmente quiser fazer uma
contribuição para a escola Sakya, então deve publicar a coletânea das obras de
Gorampa.” Uma vez que o Governo do Tibet tinha banido a publicação dos
escritos de Gorampa, Lama Jamyang Gyaltsen teve de andar muitos anos à procura
por todo o Tibet Central até encontrar todos os textos e estar pronto para os
levar para o Kham. Ele colocou-os todos numa sacola e atou-a às costas de uma
mula e iniciou a sua viagem. Quando chegou a região de Derge, tinha que
atravessar uma ponte estreita sobre o rio Drichu, mas enquanto o fazia a mula
escorregou e caiu, e com ela foi a sacola com os textos. Quando viu isto, Lama
Jamyang Gyaltsen ficou destroçado. Ele apelou a Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö,
Pañjaranatha e ao Mahakala de Quatro-braços, colocou o seu robe e o seu chapéu
e invocou-os. Ao fazê-lo, a mula milagrosamente chegou à margem.
Quando começaram os
trabalhos para publicar os trabalhos de Gorampa, muitos obstáculos surgiram.
Assim Jamyang Khyentse, Lama Jamyang Gyaltsen, e uma assembléia de 108 monges,
reuniram-se no vigésimo quinto dia do mês, no altar dos protetores Namgyal, no
monastério Dzingkhok, para realizar muitas centenas de milhares de ofendas de
cumprimento à divindade protetora Pañjaranatha. Para as pessoas que observavam à
distância, parecia que o templo estava a arder, e muitas pessoas foram montadas
a cavalo ver o que estava acontecendo. No fim da prática, todos os obstáculos
tinham sido ultrapassados. Devem saber, que o fato de a coleção de obras de
Gorampa estarem disponíveis nos dias de hoje é devido inteiramente a bondade de
Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö.
O altar do protetor de
Dzing Namgyal Gönkhang, tinha sido estabelecido por Chögyal Pakpa quando ia a
caminho da China, era considerado excepcionalmente sagrado. Com o passar do
tempo, ficou em ruínas, então Jamyang Khyentse decidiu renová-lo. Quando as
renovações terminaram, ele foi lá para realizar a cerimônia de consagração
(rabné) em conjunto com cerca de vinte monges. Quando chegou à parte da prática
para afastar os criadores de obstáculos, enquanto o chöpön estava a
oferecer o incenso em frente da imagem, Jamyang Khyentse dirigiu a sua mente de
sabedoria e a imagem de Mahakala – que tem cerca de dois andares de altura –
foi vista a tremer. O mestre de cerimônias que se encontrava perante a estátua
com o incenso, pensando que se tratava de um terremoto, correu e saltou por uma janela.
Jamyang Khyentse Chökyi
Lodrö tinha uma conexão muito especial com a forma de sabedoria de Mahakala,
conhecida por Pañjaranatha (Gurgyi Gönpo), que apareceu-lhe em visões ao longo
da sua vida, fazendo profecias, protegendo-o de obstáculos e por aí fora.
Em um monastério de nome Dra
Gön, que era atrás de Derge Gönchen, havia um centro de retiros para a linhagem
oral dos Sakya, que tinha caído em declínio, mas Jamyang Khyentse usou os seus
próprios fundos, conjuntamente com uma contribuição do rei de Derge, para
patrocinar a reconstrução. Daí a diante, até à destruição nos anos 1950s,
tornou-se um importante centro de prática.
Poucos anos antes, Jamyang
Khyentse tinha visto como a sua atividade estava a tornar-se vasta e como a sua
fama e reputação estavam a espalhar-se pelo Tibet, e apercebeu-se que precisava
de alguém para o assistir em todos os seus variados projetos. Assim sendo, o
seu próprio sobrinho, Tsewang Paljor, foi escolhido para se tornar o seu secretário
e assistente pessoal com a pouca idade de treze anos.
Quando estavam a renovar o
centro de retiros em Dra Gön, ele enfrentaram muitos obstáculos. Quando Jamyang
Khyentse chegou ao local, ele viu que isso era devido à presença de uma altar
ao “protetor” Shugden. Um dia, Jamyang Khyentse assumiu uma forma irada e
expulsou Shugden do templo do protetor em Derge önchen. Existem muitas histórias
fantásticas que poderiam ser contadas neste momento, acerca de Jamyang Khyentse
e Shugden, mas não creio que seja apropriado.
Jamyang Khyentse Chökyi
Lodrö considerou que tinha cinco principais mestres-raíz. De todos eles, o que
lhe apresentou o estado natural da mente, e cuja bondade por isso mesmo excedia
a de todos os outros, era o Vajradhara Loter Wangpo. Loter Wangpo era tão baixo
e roliço, que quando dava transmissões ele não conseguia efetuar alguns dos
mudras com o vajra e o sino, e quando se sentava num trono, ele não podia
sentar-se com as suas pernas cruzadas. Aqueles que tinham devoção viam-no como
Mahakala. O seu segundo mestre-raiz era Kathok Situ Rinpoche, Chökyi Gyatso. O
terceiro era Shechen Gyaltsap Rinpoche, Gyurme Pema Namgyal. O quarto era
Dodrupchen Jigmé Nyima.
Quando Jamyang Khyentse foi
a Dodrup Gar, Dodrup Rinpoche tinha já tomado o voto de nunca abandonar o seu
eremitério e de nunca proferir uma palavra de discurso comum a ninguém para o
resto da sua vida. Quando Jamyang Khyentse chegou houve uma procissão
muito elaborada e o próprio Dodrup Rinpoche foi à porta da frente do seu eremitério
com os seus assistentes. Quando foram lá para fora e se sentaram, Dodrup
Rinpoche disse depois de uma longa pausa, “Está cansado?” Estas foram as únicas
palavras de discurso comum que ele proferiu durante a ultima parte da sua vida.
Depois Jamyang Khyentse
recebeu muitas transmissões e ensinamentos do Nyingtik. Especialmente durante o
Palchen Düpa, Dodrup Rinpoche deu-lhe o nome secreto Pema Yeshe Dorje, que era
tomado como sendo uma indicação de que não era somente a encarnação de Jamyang
Khyentse Wangpo, mas também de Do Khyentse Yeshe Dorje.
Nessa altura, Jamyang Khyentse também foi visitar um tertön,
amplamente conhecido como Tertön Sogyal, mas cujo nome terma era Lerab Lingpa.
Ele recebeu todas as transmissões orais que podia para as revelações terma de
Lerab Lingpa. Lerab Lingpa estava doente nessa época, e de modo a recuperar-se,
pediu que o mantra das cem-sílabas de Vajrasattva fosse recitado tantas vezes
quanto possível no monastério Dzongsar. Está registrado que quando isto foi
concluído, a sua doença desapareceu e a sua saúde melhorou muito. Mesmo depois
de Lerab Lingpa ter passado para o parinirvana, ele continuou a aparecer a
Jamyang Khyentse em muitas ocasiões no seu corpo de sabedoria, e concedeu-lhe
todas as transmissões que não lhe tinha sido possível dar antes.
De Adzom Drukpa Rinpoche,
Natsok Rangdrol, ele recebeu as transmissões de Nyingtik Yabshyi e outros ciclos, e as suas duas mentes
fundiram-se em uma. Conjuntamente com Gyarong Tulku, ele recebeu ensinamentos
sobre Yeshe Lama, a transmissão do
poder criativo de consciência pura (rigpé
tsal wang) e a transmissão de longa-vida de Könchok Chidü, do quinto Dzongchen Rinpoche, Thubten Chökyi Dorje.
Como disse antes, Jamyang
Khyentse também recebeu um vasto número de transmissões de seu próprio pai. De
Lama Jamyang Gyaltsen, ele recebeu as transmissões orais de muitos dos
trabalhos de Gorampa. O mestre do qual ele recebeu maior parte da sua educação
escolar sobre o Madhyamika, sobre os tratados de Maitreya, e outros aspetos da
filosofia Budista, foi Khenpo Kunpal. De Tulku Tashi Paljor, mais conhecido por
Dilgo Khyentse Rinpoche – com o qual estava unido na mente de sabedoria – ele
recebeu transmissões orais do Tesouro dos Ensinamentos Mantra Kagyü (kagyü ngak dzö) e muitos dos profundos
termas do próprio Dilgo Khyentse Rinpoche. De Chatral Rinpoche Sangye Dorje,
que ainda está vivo, recebeu a transmissão dos ensinamentos terma de Sera
Khandro.
De fato, ele estava
preparado a receber transmissões de qualquer um que detivesse uma linhagem contínua
(não quebrada), que não tivesse sido contaminada por quebras de samaya, sem
qualquer preocupação de título e fama. Se lerem a lista de mestres dos quais
ele recebeu transmissões, e comentários de textos, até mesmo a breve lista
referida na sua autobiografia em verso, irá espantar-vos. Isto não inclui todas
as transmissões que recebeu. De fato, a lista completa de tudo o que ele
recebeu tem três volumes.
Se considerarmos a sua
contribuição para preservar a tradição do estudo, ele estabeleceu a shedra
Kham-jé, em Dzongsar. Através da sua grande compaixão em fundar esta shedra,
surgiram muitos grandes khenpos, até mesmo ao presente dia, que estiveram entre
os mestres mais eruditos do Tibet. Desde o primeiro khenpo, o grande Khenpo
Shenga, até Khenpo Kunga Wangchuk, que é presentemente o responsável pelo
Instituto Dzongsar, na India, existiram treze khenpos. De entre aqueles a
passar pela shedra estavam o grande Khenpo Apé, Khenpo Rinchen, Khenpo Pedam no
Tibet, e Dhongthog Tulku que agora vive em Seatle. Até mesmo Namkhai Norbu
Rinpoche, que é nestes dias muito famoso no Ocidente, estudou na shedra Kham-jé
durante algum tempo. Os khenpos que se formaram em Kham-jé também estabeleceram
muitos centros de estudo por todo o Tibet. Não somente isso, ele também
estabeleceu a grande shedra Gyüdé, em Kathok, que também trouxe tremendo benefício
para os ensinamentos.
Em Karmo Taktsang, ele
estabeleceu um grande centro de retiro para a prática das instruções essenciais
das oito grande carruagens da linhagem da prática, e especialmente para a prática
das revelações terma de Jamyang Kyentse Wangpo e Jamgön Kongtrul. Muitos dos
antigos mestres de retiro, que aí praticaram, ainda estão vivos. Ao renovar o
centro de retiros em Dra Gön, ele assegurou que a linhagem da prática do Sakya Nyengyü tenha continuado até ao
presente dia.
Se considerarmos as estátuas
e imagens que ele encomendou, havia a grande estátua de Maitreya, em Kham-jé,
cuja face media treze mãos de Jamyang Khyentse. Shakabpa escreveu em sua famosa
história do Tibet, que esta era a maior estátua de cobre e ouro, do Buda, no
Tibet Oriental. Ele também estabeleceu o templo chamado Tse Lhakhang. Se
tentarmos listar todos as Stupas que ele construiu, as estátuas e thangkas que
encomendou, ou os livros que ele imprimiu e copiou, não conseguiríamos contá-los.
Até mesmo Tsewang Paljor, o secretário de Jamyang Khyentse, que trabalhou
nestes projetos durante a maior parte de sua vida adulta, não seria capaz de
listar tudo.
Quando estas imagens eram
concluídas, ele não ficava com elas no seu próprio monastério, mas enviava-as
onde eram mais necessárias. Não havia um único monastério na região do Kham,
que não recebesse oferendas de imagens, livros, Stupas, assim como representações
do corpo, fala e mente iluminados, de Jamyang Khyentse.
Se
considerarmos o tempo que ele passou a praticar em retiro, durante toda a sua
vida ele passava os meses de inverno em retiro, e em alguns anos, ele passava
todo o ano em retiro. Se virem a sua biografia, e todas as praticas que fez, não
conseguem encontrar uma única pratica para a qual ele não tenham terminado a
recitação. Ele completou a recitação das práticas mais importantes três ou
quatro vezes. Os nomes destas práticas estão listadas na sua autobiografia em
verso. Por exemplo, ele recitou o Dukkar
Chokdrup dez mil vezes.
A realização que ele alcançou,
como resultado de toda a sua prática era inigualável a qualquer mestre na
historia tibetana. Podemos dizer isso porque os seus feitos registrados estão
para além dos de outros. É possível que tenham existido mestres que tenham tido
maiores experiências, e nada escreveram sobre isso, mas nada podemos dizer. Ele
deixou um grande volume registrando todas as visões e sonhos proféticos que teve.
Infelizmente, isto cobre somente dois quintos da sua vida. Khenpo Kunga
Wangchuk fez uma cópia e depois publicou-a como a biografia secreta, num grande
volume. Na linhagem Nyingma do Longchen Nyingtik, é bem sabido que Longchen
Rabjam apareceu em visões a Jigmé Lingpa três vezes, durante as quais ele
transmitiu-lhe as bençãos do seu corpo, fala e mente. Enquanto que, nos registros
escritos que temos, Jamyang Khyentse menciona ter não menos que dezessete visões
de Longchen Rabjam – e isso é somente da parte de sua vida que está registrada.
Se virem uma lista de todos os mestres e divindades que lhe apareceram e
fizeram profecias e por aí fora, dificilmente haverá um mestre ou divindade das
tradições Sarma ou Nyingma que não seja mencionado. Se eu os listasse a todos,
ficaríamos sem tempo.
Jamyang Khyentse Chokyi Lodro em Gangtok, 1959
Para ele, todo o universo
de aparência e existência surgia como pureza infinita. Por exemplo, quando ele
foi ao cume de Tiger Hill, acima de Darjeeling, para ver o nascer do Sol, a luz
do Sol manifestou-se na forma de Vimalamitra. Quando foi a Bodhgaya, todos os
dias, quando ia junto da estátua do Buda, ele tinha visões nas quais via o Buda
Vajradhara no coração do Buda, e o Buda Samantabhadra no coração de Vajradhara.
Quando se aproximava do templo de Bodhgaya, ele via o Mahakala de quatro-braços
preto, que lhe falou diretamente e pediu um torma. Ele apercebeu-se que não
tinha o texto de oferenda de torma, mas disse ao seu mestre, Lodrö Chokden, que
estaria bem se recitasse o texto do Tantra de Mahakala do Kangyur, e então foi
o que fizeram. Quando rezou em baixo da árvore bodhi, ele teve uma visão vivida
e clara na qual viu os 1002 Budas desta Era, conjuntamente com os seus séquitos
de shravakas e discípulos. Quando foi à gruta do Mahasiddha Shawaripa, em Cool
Grove, ele viu Shawaripa diretamente e recebeu a sua mente de sabedoria, de tal
modo que todo o seu corpo estremeceu. Os registros dizem que isto foi
visto por Gönpo Tseten. Quando perguntei a Gönpo Tseten sobre isto, ele disse
que viu Jamyang Khyentse a olhar para o espaço e a proferir “Ah!” ao mesmo tempo
que o seu corpo começou a tremer, e ficou a pensar que seu mestre estaria a
ficar doente.
Infelizmente, não posso
falar aprofundadamente sobre a sua biografia secreta e todas as suas visões em
detalhe, pois levar-me-ia pelo menos uma semana.
Extraído
de palestras de Orgyen Tobgyal Rinpoche em Lerab Ling, 23 e 24 de Agosto de 1996. Originalmente traduzido
por Sogyal Rinpoche. Retraduzido e editado por Adam Pearcey, 2005.
Esta
é uma tradução rude para o português da tradução inglesa, efetuada por este
pequeno praticante do dharma Ngawang Pema Jigme. Foi adaptado ao português do
Brasil por Pema Namgyal. Possa este texto beneficiar todos os seres, afastar
obstáculos e motivar a prática disciplinada do dharma.
(Fonte: Facebook Sangha)
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