A vida de Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö - parte 1



 A vida de Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö
narrado por Orgyen Tobgyal Rinpoche

    Das incarnações de Jamyang Khyentse, o segundo foi Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö, cuja grandeza era tanta que me é dificil sequer pronunciar seu nome, e no entanto faço-o como forma de beneficiar os outros. O seu nome completo era Jamyang Khyentse Chölyi Lodrö Rimé Tempé Gyaltsen Pal Zangpo. O seu nome secreto, dado pelo terceiro Dodrupchen Rinpoche, Tempé Nyima, durante uma transmissão especial do Rigdzin Düpa, era Pema Yeshe Dorje. Uma vez que este mestre, o soberano senhor do mandala, viveu recentemente, existe muitas pessoas ainda vivas que podem-se recordar da sua vida e confirmar o que agora vou contar.

    A encarnação anterior, Pema Ösel Dongak Lingpa, passou para o parinirvana e dissolveu a sua mente de sabedoria no coração do grande pandita Vimalamitra na região da Montanha dos Cinco Picos de Wu Tai Shan na China. Assim, de modo a beneficiar os ensinamentos e os seres na Terra das Neves, ele reapareceu em cinco encarnações, tal como previsto no terma das profecias. O Vajradhara Jamgön Lodrö Thayé supervisionou o reconhecimento destas encarnações uma por uma. Cada um dos principais filhos do coração de Jamyang Khyentse Wangpo encarregou-se de uma encarnação. Por exemplo, aquele pelo qual se encarregou Jamgön Kongtrul, se instalou em Palgung e chamava-se Beru Khyentse. Uma encarnação foi entronada no acento principal de Dzongsar, e outra no monastério Dzogchen.  Uma encarnação foi reconhecida por Pönlop Loter Wangpo e chamava-se Galing Khyentse. Todas estas encarnações emulavam o seu predecessor nas suas qualidades sem paralelo de aprender, das experiências, realizações e da atividade iluminada. Mas de todas estas, a que se destaca como uma jóia a ornamentar o topo de uma grande bandeira de vitória é Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö.

    O sobrinho e supremo discípulo próximo de Jamyang Khyentse Wangpo, Kathok Situ Chökyi Gyatso, não tinha uma reincarnação no seu mosteiro de Kathok, e assim com petições fervorosas e unidirecionadas, ele requereu ao Vajradhara Jamgön Kongtrul Lodrö Thayé para encontrar mais uma encarnação para Kathok. Jamgön Kontrul disse que ele já tinha reconhecido o corpo, a fala, a mente e qualidades de emanações, mas se requerido, ele poderia reconhecer a atividade de emanação. Mesmo assim, ele alertou que seria difícil para esta emanação beneficiar o acento principal do monastério. Ele explicou que se ele se torna-se um praticante heruka, ele traria maior beneficio. Assim Kathok Situ pediu-lhe para identificar a criança, e Jangön Kontrul viu que ele nasceria no ano da cobra, como filho de Ridzin Tsewang Chokdrup, que por sua vez era filho do grande tertön Serpa.

    Era possível identificar a família do pai até o grande tertön Düdul Dorje e incluía muitos outros autênticos reveladores de tesouros. A família de sua mãe era de Amdo, e ela era descendente do grande mestre Sergyi Chadral. Ele nasceu no ano da cobra d'água, e ocorreram muitos sinais maravilhosos e extraordinários , mas a sua mãe e seu pai eram ambos grandes praticantes de renuncia e não ficaram muito excitados com estas coisas, de modo que não as registraram, nem registraram nenhuma das informações astrológicas.

    Tal como tinha sido requerido por Kathok Situ Chökyi Gyatso, Jamgön Kongtrul reconheceu a criança como uma encarnação de Jamyang Khyentse. Assim, com a idade de oito anos, ele foi convidado a tomar o seu acento no monastério Kathok. No dia em que chegou a Kathok, toda a região circundante de Horpo e Kathok estavam completamente cobertas de neve, de modo que tudo estava branco, que era algo de muito  incomum para a região, e a população considerou isso como um sinal muito positivo para o futuro. Num dia auspicioso, Kathok Situ Rinpoche realizou a cerimônia do corte de cabelo no templo principal, na presença da grande estátua do Buda, e deu-lhe o nome Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö. Entre os outros tulkus e as outras pessoas do monastério, nesse tempo, ele era simplesmente conhecido por Tulku Lodrö.

    Quando ele aprendeu a ler com seu tutor, conseguia ler sem dificuldade, e memorizava vários textos de práticas Sakya e a Recitação dos Nomes de Mañjushri simplesmente ao ler uma vez. Isto era um sinal de que ele estava retomando sua memória da vida passada. Eu por vezes provoco alguns dos tulkus no nosso monastério ao dizer, “O meu Lama memorizou a Recitação dos Nomes de Mañjushri em criança, mesmo sem o estudar, e vocês tulkus estão a recitá-lo à meses e ainda não conseguem memorizá-lo!”

    Uma noite ele estava numa gruta de retiro na colina atrás de Kathok, sentado num tapete ao lado de seu tutor e a recitar orações. Enquanto ele recitava a Dharani do Subjugador do Vajra, ele consegui ver claramente o monastério de Kathok lá em baixo, a brilhar ao luar da lua cheia, e nesse momento ele teve uma visão do grande centro monástico dos Sakya, tão claramente com se ele estivesse realmente lá, e claramente recordou-se da sua vida como Ratna Vajra. Ele recordou todos os detalhes da sua vida e tudo o que possuía tão claramente como se tivesse sido no dia anterior.

    Numa ocasião, Kathok Situ Rinpoche teve uma reunião com todos os tulkus residentes no monastério Kathok e pediu-lhes para fazerem uma adivinhação especial durante o sonho e procurarem por qualquer indicação sobre quem eles eram nas encarnações anteriores. Quando eles regressaram para reportar o que tinham descoberto, alguns tulkus disseram que deveriam ser encarnações deste ou daquele grande lama que tinham aparecido em seus sonhos. Alguns diziam que tinham sonhado com Vajrakilaya ou com Tara, ou qualquer outra deidade. Quando perguntaram a Tulku Lodrö – como era conhecido na altura – sobre os seus sonhos, ele disse que não tinha sonhado com alguém pouco usual, somente um homem tibetano comum vestido ao estilo do Tibet central, com uma grande tchuba branca e um sobretudo azul, brincos turquesa, e o seu cabelo estava atado atrás.  Quando ele disse isto, Situ Rinpoche pareceu surpreendido, e disse quão incrível era. “Impressionante”, disse ele, “Mas será mesmo?” Todos os outros tulkus brincavam com ele ao dizer, “Somos encarnações destes grandes mestres, mas Tulku Lodrö era somente este homem comum do Tibete Central.” Mas mais tarde , ele apercebeu-se que isto era um sinal de que tinha sido o Rei Trisong Detsen.

    Em criança, Jamyang Khyentse costumava explorar todos os lugares e estava sempre à procura de experimentar coisas novas. Uma vez, quando seu tutor tinha-se ausentado por momentos, ele começou a revolver as prateleiras e quando encontrou uma grande garrafa de mercúrio, ele bebeu-o todo. Quando o tutor regressou, viu gotas de mercúrio no chão, e ao olhar as prateleiras viu a garrafa vazia. Ele disse a Tulku Lodrö para se levantar, mas ao fazê-lo, gotas de mercúrio rebolaram de suas vestes. O tutor disse “Tinha uma garrafa de mercúrio na minha prateleira, onde está ela?” Jamyang Khyentse respondeu, “Bebi-a.” O tutor simplesmente olhou para ele. Mais tarde o tutor foi ter com Situ Rinpoche e disse, “O Tulku Lodrö é realmente excepcional. Ele bebeu uma garrafa inteira de mercúrio e nem teve sequer uma dor de cabeça. Não creio que seja uma criança comum.”

    Ele também gostava de observar danças e entretenimentos, e assim em ocasiões em que lhe apetecia observar algum tipo de espetáculo, Ekadzati, a Protetora Gloriosa do Mantra Secreto, aparecia a ele e a seu pedido, ela abriria seu peito para revelar o universo dos três reinos por completo.

     Num outro sonho que teve enquanto criança, ele foi ao templo Tramdruk, onde uma grande mandala tinha sido preparado para uma transmissão. Ali ele viu Guru Rinpoche sentado num trono elevado, com muitas pessoas sentadas em filas, prontas para receber a transmissão. Na fila em frente a ele, ele viu um monge e uma senhora num vestido tibetano e outros tantos, e ao seu lado estava um homem com uma vestimenta leiga comum. Em conjunto, eles todos recebiam a transmissão de Guru Rinpoche. Mais tarde na sua vida ele apercebeu-se que os monges sentados em frente a ele eram Vairochana e Namkhé Nyingpo e outros dos quais ele – Rei Trisong Detsen – tinha recebido transmissões. A senhora tinha sido Yeshe Tsogyal. Mesmo que ele tenha sido o rei do Tibet naquele tempo, não teria sido correto para ele sentar-se na frente de seus mestres.

    Aos treze anos de idade, Jamyang Khyentse completou os seus estudos e foi enviado por Kathok Situ a viajar por Horkhok e Dzachukha e recolher fundos para o monastério. Como ele diz na sua autobiografia em verso, ele também foi ao reino de Ling:

Encontrei-me com o rei e a rainha do Dharma de Ling,
E expliquei-lhes de memória o Gang Gi.
Com devoção recordaram-se do seu Lama,
E ambos rei e rainha lágrimas verteram.
Desse momento em diante, tornaram-se meus patrocinadores,
Com votos puros, generosidade, devoção e bondade.

    Como diz aqui, ele deu um comentário elaborado sobre o Gang Gi Lodrö, a famosa oração a Mañjushri, ao rei de Ling, que era um tertön, e a sua rainha e outros membros da família real. Eles tinha sido estudantes do Jamyang Khyentse anterior, e quando ele ensinou eles ficaram tão comovidos pelas suas memórias que o rei e a rainha realmente choraram, e viram-no como Jamyang Khyentse Wangpo em pessoa. Daquele momento em diante, eles tornaram-se seus patrocinadores.

    Depois foi para Dzachukha e Adzom Gar. Antes de lá chegar, Adzom Drukpa Natsok Randrol teve três sonhos nos quais viu seu mestre raiz, Jamyang Khyentse Wangpo. Ele entendeu isso como uma indicação, que o tulku de Kathok que ele estava à espera era a encarnação do seu mestre Jamyang Khyentse Wangpo, e assim organizou uma recepção especial, com uma tremenda procissão. Adzom Drukpa vestiu uma veste vermelha especial e atou o seu cabelo de uma forma especial. Todos os estudantes cantaram a Canção da Festa de Tsok (tsok lu) enquanto esperavam, e Adzom Drukpa foi pessoalmente receber  Jamyang Khyentse. Nesse momento, Adzom Drukpa fez uma grande oferenda de tudo o que tinha recebido em doações. Mais tarde na sua vida, Jamyang Khyentse recordou este evento e disse que tinha sido uma grande oferenda que será quase impossível igualar.

 Jamyang Khyentse Chokyi Lodro, Katok Situ, Khenpo Shenga e Jamgyal.

    Durante o retiro de verão no monastério Kathok, quando deu ensinamentos da Oração de Aspiração de Sukhavati e em outros tópicos, ele inspirou muitos milhares de acadêmicos com o brilho das suas explicações.

    Durante três anos, enquanto o seu tutor estava doente, Jamyang Khyentse trabalho arduamente para ir buscar água, recolher lenha, cuidar do tutor e daí por diante. Ele não tinha ajuda de mais ninguém, mas fez tudo por si só. Mais tarde, ele dizia que isto tinha sido um método supremo de amealhar mérito e purificar os seus obscurecimentos. Ele costumava dizer, “Purifiquei um pouco do meu karma negativo ao realmente servir o meu mestre.” O seu mestre era muito estrito, e costumava bater-lhe quer houvesse uma boa razão ou não. Mais tarde na sua vida, sempre que raspava a sua cabeça podia-se ver as cicatrizes das pancadas. Foi no fim dos seus treze anos que o seu tutor faleceu.

    Nesta mesma época, a encarnação de corpo de Jamyang Khyentse Wangpo, que ocupava o acento de Dzongsar, estava no monastério Dzogchen para receber transmissões do Rinchen Terdzö (Precioso Tesouro de Termas) do quinto Dzogchen Rinpoche, Thubten Chökyi Dorje, e faleceu prematuramente à idade de treze. Quando isto aconteceu, o lama que estava responsável pelo monastério Dzogchen, outro sobrinho de Jamyang Khyentse Wangpo, chamado Kalzang Dorje,  enviou uma carta a Situ Rinpoche na qual escreveu, “O tulku aqui do nosso acento de Dzongsar faleceu, e eu próprio estou muito doente e perto da morte. Por favor envie o tulku que está em Kathok para ocupar o acento de Khyentse aqui em Dzongsar. Se recusar, pode prejudicar o seu samaya com Jamyang Khyentse, O Grande. Este é o meu desejo na morte.”

    Situ Rinpoche leu e releu a carta e pensou que caso o lama ainda estivesse vivo haveria uma hipótese de discutir o assunto com ele, mas ele sabia que ele tinha falecido. Então, sabendo que recusar o pedido seria o equivalente a desobedecer ao seu próprio mestre, não haveria outra hipótese senão levar Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö à Dzongsar. Ele levou-o pessoalmente. E assim Jamyang Khyentse entrou no monastério de Dzongsar Tashi Lhatse com a idade de quinze.

    Quando Kathok Situ e Jamyang Khyentse chegaram a Dzongsar, foram para os aposentos principais do falecido Jamyang Khyentse. Kathok Situ disse para o jovem Jamyang Khyentse, “Tens que ficar aqui, mas eu não me atrevo a fazê-lo. Irei para o meu quarto.” Antes de Situ Rinpoche regressar de Kathok, ele realizou a cerimônia de entronização de Jamyang Khyentse, e mesmo só havendo alguns monges e lamas presentes, foi feito de uma forma muito elaborada com um longo discurso nas cinco perfeições e daí por diante. Na primeira noite, quando ele estava a pensar onde era suposto ele dormir, olhou ao redor e viu algo feito de madeira que quase parecia uma cama com um tapete feito de pele de animal, e pensou para consigo que deveria ser o lugar. E assim dormiu nele. Alguns anos mais tarde quando Kathok Situ regressou e foi à residência, Jamyang Khyentse pediu para ele se sentar e apontou para a cama de madeira. Kathok Situ respondeu dizendo, “Como poderia eu atrever-me a sentar-me ali?” E em vez disso ele prosternou-se a ela e tocou-lhe com sua testa várias vezes. Depois olhou ao redor e perguntou a Jamyang Khyentse, “Onde dormes?” Jamyang Khyentse apontou para a cama, e disse “Eu durmo aí.” Nesse momento Kathok Situ pareceu desapontado e disse, “Ah, é verdade o que eles dizem: onde um homem dorme, um cão também dorme.” Por momentos não disse nada, mas depois acrescentou, “Nesta cama dormiu o mestre de todas as linhagens dos ensinamentos do Buda no Tibet. Achas que é correto que também durmas aqui?” Depois Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö disse, “Talvez eu deva deixar de dormir aí de agora em diante.” Mas Kathok Rinpoche disse; “Não, deves continuar. Está tudo bem.”

    Nessa época, havia um pequeno conflito entre seguidores da encarnação descoberta por Loter Wangpo e os apoiadores das outras encarnações. Antes que o conflito pudesse desenvolver-se, o rei de Derge enviou o seu próprio emissário, um ministro chamado Jagö Tobden, que declarou muito claramente que Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö era o que deveria ficar no acento de Dzongsar, e a outra encarnação deveria ficar no monastério de Galon. Este julgamento resolveu o assunto e evitou mais discórdia.

    Quando Jamyang Khyentse soube que Pönlop Rinpoche, Loter Wangpo estavas prestes a dar as transmissões de Gyüde Kuntü (Compêndio de Tantras) ele viajou para recebê-las. Loter Wangpo teve uma visão de Jamyang Khyentse Wangpo, que considerou ser um sinal que esta encarnação era diferente das outras, e assim ele próprio foi recebê-lo. Eles prepararam um acento bastante elevado com almofadas de seda e fizeram oferendas elaboradas, de acordo com Jamyang Khyentse, era a maior da honras. Loter Wangpo deu ele próprio todas as transmissões do Compêndio de Tantras quando chegaram à seção dos tantras do yoga inultrapassável . Em particular, quando chegou à introdução da natureza da mente, foi efetuado de acordo com a tradição Sakya, com uma semana despendida na investigação e no treino da mente, culminando com o lama a transmitir a sua realização ao estudante. Neste momento, a mente do estudante tornou-se inseparavelmente unida com a mente de sabedoria do mestre e ele adquiriu todas as qualidade de realização.

    Anos mais tarde, quando Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö já tinha estudado com algum numero entre cinquenta e cinco e sessenta mestres autênticos, ele disse que, de todos eles, ele considerou Loter Wangpo como o seu mestre raiz, e referia-se a ele como “O Vajradhara Loter Wangpo”, dizendo que a sua bondade era incomparável.

    Ele recebeu somente a seção dos tantras do yoga inultrapassável (Skt. Anuttara) do Compêndio de Tantras, pois nessa altura seu pai, Kyabje Tsewang Gyurme, estava a sua espera há quase um ano em Dzongsar, tendo viajado para lá especificamente para lhe conceder as mais importantes transmissões da escola Nyingma. Assim, sem receber as outras seções, ele regressou ao seu acento em Dzongsar.

    Quando chegou, seu pai Kyabje Ridzin Chenpo deu-lhe as transmissões do Lama Gongdü de Sangye Lingpa, do Kagye, do Chokling Tersar, e todas as outras principais transmissões do kama e do terma, uma a seguir à outra durante um período de dois anos.

    Na idade de quinze, ele começou a ensinar alguns monges do monastério Dzongsar, dando-lhes ensinamentos na Perfeita Sabedoria (Skt. Prajnaparamita). Ele recebeu também muitos ensinamentos e transmissões de Kathok Situ Rinpoche, que era um dos seus principais mestres, e também recebeu os votos monásticos.

    Quando Shechen Gyaltsap Rinpoche veio ao monastério Dzongsar, Jamyang Khyentse recebeu a transmissão de longa vida do Könchok Chidü dele e pediu-lhe que ficasse em Dzongsar para dar mais ensinamentos e transmissões. Shechen Gyaltsap disse não poder ficar, pois a água na região de Dzongsar não era boa para a sua saúde e ele teria que regressar ao monastério Shechen. Mas antes de ir, ele disse, “És bem vindo a ir visitar-me lá, ficarei muito contente em dar-te ensinamentos e transmissões, se esse for teu desejo.”

    Então ele foi ao monastério Shechen, chegando durante o retiro de verão. Gyaltsap Rinpoche estava a presidindo uma cerimônia no templo principal, mas Jamyang Khyentse estava com tanta pressa em encontrá-lo que em vez de enviar uma mensagem e esperar ser chamado formalmente, ele entrou diretamente. Ao entrar, a assembléia estava a recitar a oração para disseminar os ensinamentos, por Chokgyur Lingpa, conhecida por As Dez Direções e Os Quatro Tempos e tinha acabado de chegar à linha: “Possam todos os mestres preciosos, os esplendor dos ensinamentos, alcançar todos os lugares como o céu.” Eles pediram-lhe que fosse para a residência do lama, e depois Gyaltsab Rinpoche deixou a assembléia e juntou-se a ele. Gyaltsab Rinpoche disse-lhe quão auspicioso era que ele tenham chegado naquele momento durante a prática, e continuou a repetir aquelas duas linhas da oração enquanto se prosternava a Jamyang Khyentse.

    Depois foram para a área de retiro acima de Shechen e montaram uma pequena tenda de algodão. Shechen Gyaltsab concedeu-lhe o Compêndio de Sadhanas (druptap kuntü), Nyingtik Yabshyi, Damngak Dzö e outras transmissões. Dilgo Khyentse Rinpoche tinha também sido convidado para o monastério Shechen nessa época, e foi entronado por Shechen Gyaltsab nos seus aposentos.

    Shenchen Gyaltsap e Kathok Situ enfatizaram várias vezes que para os ensinamentos durarem para o futuro, tanto o estudo como a prática deveriam ser estabelecidos exaustivamente. Eles diziam que sem estudo e prática, os ensinamentos não teriam vida. Em concordância com os seus conselhos, Jamyang Khyentse decidiu estabelecer um centro de estudos (shedra) para beneficiar os ensinamentos e ajudar a assegurar a estabilidade do Dharma no futuro.

    Por volta desta época, o rei de Derge, Tsewang Düdul, estava sendo entronado em Derge Gönchen, e os principais lamas da região tinham sido todos convidados a participar na cerimônia. Jamyang Khyentse foi lá e o grande Khenpo Shenga Rinpoche também estava lá. Khenpo Shenga tinha estado a ensinar na shedra de Palpung, mas surgiu um pequeno problema e então tinha-se mudado para Derge. Quando conheceu Khenpo Shenga, Jamyang Khyentse disse, “Estou pensando em estabelecer um shedra em Dzongsar, no Kham-jé, e precisarei de um khenpo. Você pode vir?” Por um momento, Khenpo Shenga nada disse em resposta. Depois, passado algum tempo, ele disse,”Sim. Tal será extremamente benéfico. Irei com certeza.” Mais tarde na vida, Jamyang Khyentse Rinpoche olhou para este evento e disse que nada mais na sua vida tinha sido tão auspicioso.



    Depois de regressar a Dzongsar, no décimo quinto dia do mês lunar, começaram os trabalhos nos quartos dos monges e no templo de Kham-jé, renovando o Templo das Três Famílias do Buda (riksum lhakhang) que havia sido construído por Jamyang Khyentse Wangpo. Nessa época, o Khyentse Labrang era bastante pobre. Eles não tinham muito que pudesse ser trocado sem ser uns poucos sacos de grãos, pacotes de chá e sal. Claro, eles tinham imagens e representações do corpo, fala e mente iluminados, mas não eram pertences para serem trocados. Isto significava que quando começaram o trabalho de preparar o solo, e aí por diante, Jamyang Khyentse Rinpoche viajou para a área de Horkhok para recolher fundos.

    Durante as suas viagens, ele visitou a casa da família Lakar, onde um grande tertön, de nome Ati Tertön, com eles vivia e recitava orações para a família. A pedido da família Lakar, Jamyang Khyentse ficou e efetuou práticas durante três dias. Ele realizou uma cerimônia para convocar o espírito de abundância (yanguk) e concedeu uma transmissão de longa vida do Chimé Pakma Nyingtik. Quando estava a dar a transmissão, Ati Tertön também veio para recebê-la. Nesse tempo, ele não era tão bem conhecido como seria mais tarde. Quando a transmissão de longa vida terminou e todos estavam sentados em silêncio, Ati Tertön levantou-se e começou a falar espontaneamente. “Hoje foi muito auspicioso,” disse ele,”Fomos suficientemente afortunados para receber a transmissão de longa vida, do Chimé Pakma Nyingtik, através da encarnação de Jamyang Khyentse Wangpo.” Nesse momento tocou nas cabeças de duas jovens moças, Tsering Chödrön e Tsering Wangmo, que eram muito novas, e disse, “Mais tarde quando Jamyang Khyentse se tornar o grande Vajradhara, estas duas farão parte da sua assembléia de dakinis, e nesse mesmo momento até eu poderei ter a boa fortuna de ter alguma pequena utilidade. Foi tudo muito auspicioso,” Jamyang Khyentse foi completamente tomado por surpresa com isto. “Que diz esta pessoa?” ele perguntou. “nunca ouvi tal coisa!” Mas anos mais tarde quando ele recordava este evento, ele disse, “Aquele tertön realmente sabia algo.”

    Gradualmente o shedra de Dzongsar Kham-jé foi ficando pronto, e Shengpa Rinpohe tornou-se o primeiro na linhagem de khenpos. Em muitos dos monastérios Sakya, no Tibet Oriental, havia a tradição de se visitar o monastério mãe no Tibete Central. No caso de Dzongsar, isto significava ir ao monastério Ngor. Assim, dando continuidade a este costume, quando tinha cerca de vinte e quatro anos de idade, Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö foi ao Tibete Central e visitou muitos dos lugares sagrados da região em conjunto com um pequeno séquito.

    Quando ele chegou ao grande monastério Ngor, como seguidor da linhagem Thartse, ele ficou na residência de Thartse Shapdrung, e durante essa estadia recebeu os ensinamentos  do Lamdré Tsokshé. Tal como o seu predecessor Jamyang Khyentse Wangpo, que tinha sido o mais supremo dos praticantes de mantra – um bhikshu Vajradhara  – ele foi a Orgyen Mindroling para receber a ordenação monástica completa de Khenpo Ngawang Thupten Norbu.

Comentários

Postagens mais visitadas